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Artigo: FILME “ÁLBUM DE FAMÍLIA” E SEU MITO NEURÓTICO




“A vida é muito longa” (T.S. Elliot)


A frase acima é citada pelo patriarca, Bervely, no inicia do filme. Devido as circunstancias, que consistem no suicido do pai, a frase nos leva a pensar inevitavelmente, no peso da existência e no desejo de morte por parte do protagonista. A morte e a morte do pai, talvez sejam os elementos centrais para pensar a trama e seus desdobramentos.

A família se reúne logo após a notícia do desaparecimento de Bervely e em seguida a descoberta de seu suicídio. A morte aqui, prestando serviços a Eros, juntou os parentes entorno do corpo e da imagem do protagonista.

Thanatus estava presente em tudo no filme. Violet, a matriarca, tinha câncer de boca e fazia o uso abusivo de medicações, Bervely antes do ato suicida, exagerava no uso de bebidas alcoólicas (suicídio em pequenas doses?), quando a morte não estava presente na relação consigo mesmos, estava presente em suas relações com o outro, a relação de Bervely e VIolet estava em decomposição, a agressividade desmedida por parte da mulher era fatal, parafraseando Freud, aqui a pulsão de morte apresenta-se em sua outra faceta, pulsão de agressividade.

O que uniu Bervely e Violet? Talvez um traço identificatório de uma infância pobre e violenta? Talvez admiração, que Violet reconhece na cena do jantar, pelo marido na juventude, quando o achava atraente por ser “muito inteligente”, um poeta, “aquele que sempre tinha algo a dizer”, para logo em seguida dizer que este era um alcoólatra e um escritor fracassado. São as relações narcísicas com os semelhantes que produzem as experiencias fundamentais do desenvolvimento imaginário dos seres humanos, aqui também podemos perceber o desdobramento dos objetos de escolha amorosa em sua faceta ambivalente.

Lacan nos aponta em seu artigo “O mito individual do neurótico”:

“[..] é a aura de anulação que cinge do modo mais familiar o parceiro sexual que para ele mais realidade tem, que lhe é mais próximo, com quem tem em geral os vínculos mais legítimos, que se trate de um caso ou de uma casamento. Surge por outro parte um personagem que desdobra o primeiro, e que é objeto de uma paixão mais ou menos idealizada buscada de forma mais ou menos fantasística, com um estilo análogo ao do amor-paixão e que leva, aliás, a uma identificação de ordem mortal.” (p.30. 1952)

Aparentemente a relação entre Viollet e os outros (principalmente com Bervely) era sempre de disputa. Disputa pelo poder, dominância, falicidade. Uma cena especifica do filme pode nos ajudar a pensar a causa dessa constante disputa, jogando luz sobre o passado da protagonista.

A cena consiste, na lembrança de Viollet ao contar para suas três filhas - que quando criança desejou muito ter uma bota de couro feminina, e ao pedir a mãe, está lhe disse que daria no natal, mas quando chegou a data tão esperada, ao abrir a caixa de presente encontra botas de couro masculinas usadas e sujas de esterco – pode ser um exemplo claro da junção entre mito e fantasia .

Que mensagem poderia ter transmitido a mãe de Violet nesta cena? Que seu desejo consistia que a filha fosse um homem? Poderíamos partir deste pressuposto sobre a hipótese de Violet sobre o desejo da mãe, e as tentativas da personagem em atende-la. Para ser um homem seria necessário reivindicar o falo com outro homem? Isso nos possibilitaria compreender os motivos da hostilidade da protagonista com as figuras masculinas. Esse raciocínio lançaria luz a constante disputa pelo poder que Violet tinha com Berveley ou com outros homens, a necessidade de rebaixa-los, diminui-los como forma de apontar a impotência, sentimentos estes que ela mesma vivia em relação a sua doença, talvez na sua relação com sua mãe que tinha como preferida sua irmã, e posteriormente na reatualização disso com a traição de Bervely com a mesma.. Estando a impotência do lado dos homens a potência só poderia ficar de seu lado. Esta disputa se trata de uma reivindicação fálica.

Outro indicativo desse eclipsamento com o desejo materno, talvez esteja na cena em que a protagonista relata a violência sofrida por “um dos amigos de sua mãe” em que ela é agredida a marteladas e salva por sua irmã. Ser um homem desejado pela mãe equivaleria a ser um homem agressivo? Agressividade é tudo que há na relação da personagem com os outros integrantes da cena. O quanto de agressividade que parte da protagonista pode apontar não apenas para uma identificação com seu algoz, mas também com sua própria mãe na relação com ela, em que a descreve:” minha mãe era sórdida e má.”

Uma ultima observação sobre a escolha objetal da protagonista, ilustrando a complexa teia nas relações humanas, seria que ao mesmo tempo que Bervely para ela seria um rival por ser o portador do falo, indicando o desejo materno, ele também é a própria mãe que escolhe “A Outra” irmã ao invés dela.

E neste ponto, algumas associações podem ser feitas, como a constante desejo de se eliminar o pai para se ver livre de sua interdição, remontando ao mito primevo, mas o que Violet não contava, era que aniquilando o pai, o que se perderia seria os limites da pulsão. A pulsão sem controle, com a queda do nome do pai, desorganiza, invade, destrói os laços.

Lacan, em seu livro “O mito individual do neurótico” nos diz que as relações familiares comportam uma constelação discursiva, de desejos, ideias que existem antes do nascimento do sujeito conduzindo seu destino.

A relação destrutiva do casal foi transmitida para suas três filhas. Barbara a filha mais velha, deprimida, com o casamento a beira do rompimento e dificuldades de relacionamento com a filha adolescente, mantinha uma relação hostil com a mãe o que a distanciava dos pais; Ivy a filha do meio, com dificuldade de estabelecer vínculos amorosos, permaneceu perto do pais, era alvo constante da agressividade da mãe; e por fim, Karen a filha mais nova, vivia indiscriminadamente vários relacionamentos que tendiam a fracassar, tinha uma relação distanciada da família.

“Tudo se passa como se os impasses próprios da situação original se deslocassem para um outro ponto da rede mítica, como se o que não é resolvido num lugar se reproduzisse sempre noutro.”(p.27. 1952)

Uma das frases mais faladas pela protagonista a suas filhas era que “mulheres envelhecem e ficam feias” e que “os homens trocam mulheres velhas por outras mais jovens”. A sombra “DA Outra” esta sempre cercando o discurso.

A sua maneira, cada uma das filhas tentava achar uma saída para o conflito. Barbara, prestes a se separa porque seu marido a traiu com uma aluna muito mais jovem que ela, segue o discurso da mãe, rivalizando com o marido e é assombrada por “um A Outra” mais jovem que possa lhe tomar o lugar; Ivy, sacrifica sua vida amorosa, (para tentar se livrar do conflito?) mas acaba se relacionando com o único homem que não reivindica sua posição fálica, sendo uma saída para não competição e destrutividade do outro e de si mesma, o trágico nisso, é que para escapar de uma relação destrutiva, Ivy escolhe um homem com quem de fato não pode se relacionar, pois é seu meio-irmão, “A Outra Ivy, pode ser a irmã Barbara, favorita da mãe, a quem está sempre aquém; Karen, escolhe um parceiro que confirma a hipótese materna ao se interessar e assediar sua sobrinha muito mais jovem que ela, mas me parece que evita a disputa fálica com os homens, ela se faz de falo para um homem.

É cômico e trágico perceber que aquilo que não foi curado na protagonista, se tornou um conflito geracional, passado para suas filhas, numa tentativa de resolução que na verdade apenas repete o desfecho.


Psicóloga/Psicanalista/Escritora
Autora: Rosangela Cavalcante


BIBLIOGRAFIA:

Lacan, Jacques. O mito individual do neurótico. Rio de Janeiro. Ed. Jorge Zahar. 2008





 
 
 

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Cristiano Ferreira

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